quarta-feira, 16 de julho de 2014

Marrocos - A Medina de Fez



                                                                                                    
" Avant tout et surtout, prodiguons la lumière. Tout assainissement commence par une large ouverture de fenêtres. Ouvrons les intelligences toutes grandes.
Aérons nos âmes "

                         Victor Hugo


A Medina -luz e sombra.
Gosto de observar a luz dos lugares por onde passo especialmente ao anoitecer, quando da rua vejo o interior das casas iluminadas.
Gosto mais ainda quando as luzes da rua são suaves, em tonalidades de âmbar.
Tem um pouco de tudo isso na Medina de Fez.
Mas uma coisa a mais chama a atenção.
A conjunção harmoniosa de luz e sombra.
Interiores por vezes escuros e exteriores claros, e vice-versa; ruelas escuras que te levam a antigos palácios transformados em locais públicos, iluminados pela luz natural tanto do sol, quanto da lua.
Em dias de música sacra, os arcos internos também ganham uma iluminação especial conspirando a favor do bom gosto.
E de quebra, a orquestra das andorinhas douradas que nos sobrevoavam o tempo todo, de forma tão sincrônica com o entorno, para mim foram esses pássaros os grandes menestréis do evento.
O Fesfestival de música sacra, e o fórum de debates da questão Palestina e Israel, com a participação de jornalistas, cineastas, políticos, embaixadores e escritores-foi muito bem denominado-”A Confederação dos Pássaros”.
A Confederação dos Pássaros, inspirou-se na fonte dos belos versos do poeta persa -Farîd od-dîn Áttâr-o livro foi traduzido diretamente para o francês pela escritora Leili Anvar (uma brilhante palestrante) com o nome de-Le Cantique des Oiseaux.
O Fesfestival merece um momento só para ele, farei em outro post.
Na Medina, há alegria genuína proveniente da sensibilidade e da mansidão que nutre todas as pessoas que por lá fui encontrando.
As crianças tem tempo para brincar, as mães para deixá-las brincar.
Os homens demonstram carinho pelos amigos sem nenhuma conotação maliciosa ou sexual. Jovens do mesmo sexo se tocam ao falar, de uma forma livre, sem pre conceitos ocidentais.
Reparei com humor e carinho, um jovem espremendo algo no rosto do seu amigo, tranquilo, ambos rindo e totalmente à vontade.
Os homens também são artesãos de mão cheia e o demonstram com muito orgulho!
A pobreza e o perigo de andar pela Medina que muitos haviam me alertado, não definiram tais sentimentos em mim. Não vi dessa forma, nem me senti ameaçada pela pobreza e o suposto perigo de andar pela Medina à toa.
Pelo contrário, numa noite após um dos concertos fomos andando e conversando com um grupo francês, não percebemos uma possível entrada para nosso Riad e nos perdemos. Ficamos um bom tempo no labirinto das ruelas, repleto de vendedores sedentos por ”fechar o caixa” daquele dia.
Escutava divertida, os preços despencarem numa passada de olhos pelas barracas. E ao mesmo tempo, pensava como era possível venderem tão barato e ainda com lucro!
As ruelas, aparentemente para olhos pouco treinados, são todas iguais.
Porém, mudam completamente, quando se está com alguém que conhece bem o lugar.
É curioso observar a rapidez com que te conduzem aos locais desejados.
Talvez por causa da minha constante curiosidade por tudo que está ao meu redor, ou porque tudo era tão diverso do meu cotidiano, o fato é que me perdi.
E perder-se na Medina foi mais um daqueles ”erros bem-vindos”.
Tudo em Fez me trouxe harmonia, que é o estado que mais aprecio na vida.
Como não existe quase nenhum estímulo externo, apenas cores suaves amareladas e por vezes descascadas nas paredes externas das casas, misturadas aos mosaicos no chão, o olhar e a audição (não entra carro na Medina) vão se apaziguando.
Adicione ainda um vento agradável que chega do deserto ao cair da tarde, trazendo consigo o aroma das flores da laranjeira.
Existe uma pausa sutil para que os sentidos se apurem.
Essa pausa se apresenta de diversas maneiras, a mais presente entre todas é a prece islâmica, semeada cinco vezes ao dia pelos alto-falantes da Medina.
Uma pausa, o de fora cessa e o que está dentro se expressa.
Expressa  através do silêncio, da oração, e do partilhar o melhor de cada um em grupo.
Fez, a capital espiritual do Marrocos, e a maior Medina entre todas, deixou sua marca através da sua simplicidade, e de seus habitantes de coração franco.
Segundo um mestre Sufi que lá conheci, coração em árabe-Qalb-também significa-o que se movimenta para dentro.
Lk-Junho 2014


sábado, 21 de abril de 2012

*** 7 dias com Marilyn ***


Dias atrás, saindo do filme * 7 dias com Marilyn *, numa conversa entre amigos , me perguntaram qual seria o perfil ( caráter ) psicológico da Marilyn- resolvi compartilhar esses pensamentos e ouvir também as opiniões de cada um.   Marilyn tem alguns componentes que contornam o seu caráter borderline. Caráter histérico , mas revestida de uma capa narcísica (no masculino, o fálico narcisista), numa voracidade glacial de desejo de reconhecimento - salta de conquista em conquista, tentando se provar e até se convencer que consegue seduzir a todos. No caso de La Monroe, com bastante sucesso, pelo menos no mundo externo. Marilyn se torna um produto auto-fabricado, através da importação do desejo alheio - fama, sexo, poder, política. Toma para si a missão de provocar no outro o que acha que é esperado dela - aquilo que tanto busca para terminar o quebra-cabeça de sua própria identidade, rota logo na infância, e que acaba por fim sendo a sua condenação. Como todo narcisista, tem medo da finitude, no sentido de não poder controlar o que o futuro lhe reserva (vide o Retrato de Dorian Gray), esconde (como defesa) a verdadeira personalidade, necessitando constantemente do aplauso, da platéia, pois distante da sua auto-percepção, necessita que os outros confirmem aquilo que desconhece ou teme - não ser amada e não se sentir merecedora dos aplausos. Conquista e solta rapidamente, antes que seja desvendada sua fragilidade. Há um hiato entre aquilo que demonstra e aquilo que percebe em si. Alimenta-se dessa força da conquista, mas nunca está nutrida, como na síndrome de Don Juan. Pois o desejo de reconhecimento é, ao mesmo tempo, visceral e oco. No mito de Narciso, quem se presta ao papel da completude é a ninfa Eco, a que reproduz o desejo do outro a partir da sua própria carência; repleta de "buracos" (só existe eco onde existe o oco), onde só cabe o outro, ela mesma não existe e, se existisse, não serviria a ele. Ambos têm algo em comum, mesmo na polaridade das suas personalidades - O Vazio. Atemorizante (quanto mais tenho, mais desejo e menos satisfeito fico), o medo da finitude e, ainda, de não serem percebidos, escutados, pois nem os mesmos sabem bem das suas falências, já que são infantilizados emocionalmente. Marilyn precisava ser atendida em todos seus desejos, e uma vez contrariada, não absorvia o desafio com maturidade - reagia de maneira regredida, mimada e ofendida. Não aceitam críticas (o outro não existe, lembram?) porque têm uma auto-percepção e auto-estima muito pálidas. Quaisquer desafios à imagem que tentam manter a qualquer custo são descartados e transferidos ao suposto agressor. O espelho narcísico, pressentem, é extremamente frágil e solitário - uma alteração no físico ou uma deprivação de algum recurso ou desejo os deixam sem chão. A finitude do glamour pelo envelhecimento ou limites, tão temidos mas ainda adormecidos sob os véus do inconsciente, a levaram à própria destruição (excesso de tranqüilizantes e outros amortecedores da consciência). Por fim, tragicamente, consegue o que mais desejou a vida inteira: depois de "agradar" a todos, de todas as formas, será lembrada na retina de cada um que a conheceu, de uma forma ou de outra, como musa, femme fatale,a mulher mais desejada de todos os tempos. E...Imortal! Deixa de existir e passa a ser mito na plenitude de sua juventude. A lembrança será sempre de uma Marilyn sedutoramente jovem. Deixa de viver como Narciso, mergulhando na sua própria imagem congelada no espelho do lago, afogando-se nas águas da solidão. Narciso é presa fácil de Eco e dele mesmo. Sua maior armadilha reside no seu maior medo: ser ele próprio o eco de uma voz que jamais é ouvida ou compreendida da forma que deseja.
 Em última análise, estão atados ao nó que eles mesmos teceram para si, com os fios de sua própria história, tornando-se incapazes de amar.
Marilyn de uma graça, beleza e sensualidade ímpares, foi tão volátil quanto um perfume que paira no ar...mais precisamente -Chanel N*5...

LK





domingo, 13 de fevereiro de 2011

Dicas de Viagem

O melhor travesseiro : Hotel Sukothai , Bangkok.
A melhor comida: Thai Soup with Chili, no café da manhā.
O melhor colírio: Mercado das Flores em Bangkok.
A melhor indulgência:33 dias de viagem, 30 massagens.
O melhor passeio : Olhar os templos de Bagan ao nascer do dia dentro de um Balão.
O melhor quarto de hotel : Amanjiwo , Java.
O melhor presente: Ganhar de um amigo , sementes de Flor de Lotus.
A melhor refeição: Em cima de uma mesa de palha, no meio da estrada, um almoço balinês, super saboroso e apimentado.
A melhor passagem: Tomar um bom vinho, num bar, nas calçadas de Luang Prabang.
A melhor paisagem: Pedalando pelos Campos de Arroz, em Bali.
O melhor gesto : O cumprimento dos asiáticos com as mãos unidas na frente do peito.
O melhor sorriso : Ketut Lyier, banguela (o verdadeiro Medicine Man de "Comer,Rezar e Amar ").
O melhor som: Os nossos nomes escritos dentro do maior sino do mundo em Ava, Myanmar .
O melhor Spa : Nossas Gargalhadas na madrugada.
A melhor leitura: A das "mãos" em Yangon.
O tom mais bonito : Amanhecer em Borobudour.
O melhor meio de transporte : Voltar do jantar no Camboja de Tuk Tuk.
O melhor timing : A agencia de turismo Lycia C.Reys
A melhor descoberta : Poder viver, sentir e amar o momento presente.
A melhor inspiração: Admirar a arte feita com as próprias mãos.
A melhor Companhia de Viagem : Lilian Kogan

Querida Lilian :
Que estes 33 dias que vivemos todas estas maravilhosas experiências sejam gravados em nossas memórias como algo sagrado que ficará no espaço entre nossos passados e futuros ! Yahoo ! Obrigada pela sua melhor companhia !!!

Silvia F.





































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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Serendipity


Estou terminando esta escrita na casa do nosso querido amigo francês JFF, em Ubud.
Deitada na rede da varanda, admirando os campos de arroz, extasiada com a beleza que circunda a casa de Jean.
Sons se sobrepondo acima das brumas, nos arrozais.
Todos em harmonia, galos, grilos, sapos...ahh agora vários passarinhos se fazem notar, para que eu não os esqueça jamais, jamais!

Levo da Ásia essas recordaçōes quase inefáveis.
Levo também, o aprendizado das possibilidades dos entrelaçamentos das culturas.
Levo as trocas de olhares, a delicadeza dos gestos de acolhimento de cada um.
Levo a experiência que deverá ser partilhada com cada ser que eu encontrar em meu caminho.
Levo a cultura do valor de fazer com as próprias mãos, do orgulho de receber os ensinamentos doados e transmitidos, de geração à geração.Que talvez, por nossa desconexão e agressividade ocidental, tenhamos nos afastado tanto.
Ainda levo comigo:
O novo aprendizado dos espaços - entre, aqueles que nos propusermos a viver.
Eles são de fácil acesso, é só sossegar o espírito e apurar os sentidos.
A simplicidade de cada família com seu templo ao fundo de suas casas.
A beleza dentro dessas casas e em torno delas, por mais pobre que sejam e que nossos olhos domesticados possam compreender.
As danças e rituais constantes, com tanta inocência, que me fez entender o que era de fato uma troca com abundância.
As oferendas diárias aos deuses, que para eles não faz diferença se depois de ofertadas (na frente das casas, lojas, templos; lindamentes adornadas em folhas de bananeira, meticulosamente dobradas em quadradinhos) serão ingeridas ou remexidas pelos inúmeros cachorros que vagueiam soltos pelas vielas.
E foi numa dessas cenas, depois de observar um cachorrinho se deleitar em revirar a " canoinha de bananeira", que senti como a impermanência, a entrega e o ritual realmente fazem parte do cotidiano deles.
Como a gente se apega tanto ao resultado ao invés de nos conscientizarmos das ofertas, da entrega de coração, dos rituais que não tem a primeira pessoa do singular no altar.
Como a gente ainda precisa de tanto " aplauso" para cada gesto que fazemos!
De fato estamos percebendo (que bom!) que fomos nos afastando da conexão com o Nosso Campo Sagrado.
Um campo de infinitas possibilidades, mas com certeza com a reverência a algo que pertence à uma outra dimensão.
Uma dimensão que vibra em uma oitava superior, que ressoa dos e pelos encontros dos seres que habitam o mesmo teto, o mesmo planeta.
E só com muita simplicidade de espírito, sorrisos genuínos, gargalhadas soltas e muita atenção, delicadeza e gratidão em cada atitude, talvez, possamos experimentar e celebrar a vida com a leveza que eles experienciam.
Olhar com interesse para cada ser que nos habita, olhar para cada desconhecido com o olhar curioso das crianças que dias depois no mesmo mercado, mesmo sem termos nos encontrado mais do que uma vez, me chamavam de Lili!
E eu envergonhada, minutos após ser apresentada à alguém ,tenho dificuldade em lembrar!
Levo um pouco desse néctar de um povo que esta de fato conectado!
Obrigada a cada palavra registrada por todos vocês nesse blog, ele já é parte do compartilhar com consciência.
Obrigada Silvia, minha querida amiga de tantas jornadas, a fotógrafa e diagramadora desse Blog, por 33 maravilhosos dias de sintonia total!

* Serendipity - Em ingles significa o ato de descobrir algo revelador ao acaso.

Lilian Kogan

Ramayana para as Mulheres ....


Em cada templo hinduísta, em cada dança ou artesanato, o épico Ramayana é louvado.
Em suma,o príncipe Rama sai à procura de sua amada Sita, a mesma havia sido sequestrada por Ravana, o rei demônio.
Cada vez que ouvíamos essa história (que por sinal é linda e repleta de símbolos psicológicos, como todas as epopéias) olhávamos uma para a outra e sorríamos em cumplicidade.
Somos amigas de muitos anos, com histórias muito profundas de vida que se entrelaçaram ao longo dos últimos anos.
Nossos sorrisos de cumplicidade à Sita, tinham por base nossa própria cumplicidade feminina construída ao longo desses anos todos.
E também ,com raízes menos profundas, aos términos recentes de nossos últimos relacionamentos.
Silvia de um longo namoro, e eu, de uma promessa de um amor de verão que acabou durando 4 estacōes.
Falávamos de sintonia, de quando começa a haver interferências que tiram as estaçōes do lugar, desarmonizando o fundo musical, ou ainda, em qual estação deveríamos descer e tomar outros rumos.
Será que a gente sabe de fato? Será que a gente tem ao menos coragem de perceber que algo acabou sem nos dar aviso prévio?
Ou será que o aviso é tão gritante, esta tão na frente dos nossos olhos, que por isso mesmo a gente nao consegue ter a visão im-parcial do todo?
Existe visão imparcial nas questōes do coração?
Acredito ser o coração o órgão mais democrático do nosso corpo; os olhos ,com seu olhar, vem logo a seguir.
Não tem como ditar ordem alguma a ele, não tem como evitar sentir o que ele comanda, ele manda e pronto.
Eu costumo obedecê-lo, e gosto dessa tarefa, mas ele é doce e tirano, duro e maleável, mutante e fixo, ele pode ser colorido e pode ser branco e preto; ele pode ir ficando cinza, a pior cor para um coração.
Ele pode tudo!
A cabeça nem sempre anda de acordo com ele, e daí começa a interminável batalha. Somos experts nisso.
Bem eu sou, acho que Silvia é mais" cool" do que eu nessa questão, ela decide e fica firme, corajosa, às vezes como uma rocha, às vezes como aquela rocha que a água bate nela, vai e volta, se encharca ,bebe dela, saboreia, mas no final continua a ser rocha.
Eu não, eu me misturo com a rocha, com a água, com as tormentas, com tudo mas também pode ser com nada, porque tenho sempre a coragem e a verdade como co-pilotas em minhas decisōes.
Por outro lado, dias atrás ( após uma dança típica balinesa em um templo, que entramos por acaso, andando nas ruas de Ubud) jantando de frente a um lago repleto de flor de lótus e conversando sobre variaçōes sobre o mesmo tema, trocamos algumas percepçōes:
Será que há uma parte tão vaidosa dentro de nós que não aceita os términos, que não aceita que não seremos mais cortejadas?
Será que há uma parte tão desconectada dentro de nós, que não aceita que a admiração e o desejo acabaram, o nosso e o deles?
E, talvez uma parte que poderíamos entregar de bom grado ao Dr Fausto, que numa rica e perversa composição, fechamos os olhos, não queremos ver.
De uma vaidade que dança ao redor dos nossos anseios, sonhos, desejos, aspiraçōes, seja lá o que for, nobre ou não, vai nos consumindo até não sobrar nada que não seja o que já estava lá!
E semanas antes de viajarmos, num grupinho delicioso de amigas íntimas,cozinhando descalças na cozinha acolhedora, rindo, bebendo um bom Bordeaux ,mexendo agilmente no risotto de aspargos frescos,roquefort e pera ( damos a receita!).
Vamos (RE) lembrando (?) umas às outras cenas e mais cenas que presenciamos umas das outras, dentro ou fora desses relacionamentos, com todo respeito que duas ou tres garrafas de vinho podem e devem emprestar a esses solenes momentos.
E por que nesses momentos uma lucidez que estava de férias há tanto tempo, nos incorpora e dizemos:
É claro! É isso mesmo, com eu não vi!?
E por que ao término do jantar, agora já partindo para cima de um sorvete crocante com calda de chocolate e frutas do bosque, e um lindo prato de frutas sortidas ( para minimizar a culpa, e que fica intocado até o dia seguinte).
A gente ainda para e olha para alguma amiga, ou para todas, dependendo do teor etílico a percorrer nosso sangue, e dispara:
Mas você acha mesmo que eu fiz certo em terminar?
E dai segue uma organizadíssima e surpreendente sessão de psicodrama, cada qual revezando no papel da vítima ( nós claro, sempre) X algoz ( eles claro ,sempre).
As gargalhadas são tão intensas nesses momentos, que devo considerar um pedido de desculpas à Jacob L. Moreno ( pai do psicodrama) ,uma vez que não seguimos com a seriedade necessária, a proposta que eu tanto aprecio como linha terapeutica.
Há uma frase de Huxley que discuti muito ao longo das minhas " quatro estaçōes”, após me ser ofertada por um grande amigo de longa data.Daqueles que a gente chama às 00:10, chorando, pedindo colo, ou pedindo um raio de lucidez, para compreender as questōes dos apaixonamentos arrebata-dores!
Aquelas questōes que dançam na mente que não se aquieta.
E quando se aquieta, vem a tirania dos silêncios ensurdecedores...
E mais uma vez, meu grande amigo estava lá me acalmando, num dos inúmeros momentos de infinitas despedidas.
Ele me dizia, que todas as vezes que havia passado por isso re lia essa frase:

“As grandes elevações do espírito, em que às vezes a alma vibra, são
estados onde ela não pode se manter; ela faz aí incursões
acidentais".

Eu não sei o que vocês pensam e gostaria de saber, mas eu sempre discutia isso com P, meu amigo querido e dizia a ele:
Se estamos caminhando para algo mais verdadeiro, honesto, real, que agregue um significado elevado de fato à nossa condição humana, não posso concordar com Huxley.
A alma é vibrante, sempre será, a não ser que a adoeçamos, que a percamos de vista, que nos afastemos de nossa essência .
E mesmo assim ela permanence lá, à espreita de ser salva, sempre…

Como Sita....
LK

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Myanmar

Acertem seus relógios para menos 30 minutos, disse a elegante aereomoça ( já queríamos o mesmo Kimono que ela estava usando) da Bangkok Airlines.
Sim, 30 minutos a menos de fuso horário de Bangkok para Yangon!
Ao chegarmos em Myanmar, de fato sentimos vontade de ajustar nossos relógios ( que por sinal nenhuma das duas carregou nessa viagem, causando algumas situaçōes cômicas) para menos 50 anos!
A sensação era de estarmos atravessando um túnel do tempo.
Nosso guia Aung, simpático e delicado como a grande maioria do povo, já nos esperava com sua típica saia longa masculina; Longy, de tecidinho xadrez para os homens e floral para as mulheres, parecendo uma canga, e que confere a todos um ar elegante e sensual.
No caminho para o Strand Hotel, esse merece um capítulo à parte, foi nos explicando situaçōes corriqueiras da cidade.
E claro, com muita delicadeza, ia desviando o assunto de todas nossas investidas com relação ao governo militar e suas decorrências.
Passados 5 dias e com mais confiança, Aung foi aos poucos comentando sobre a situação política do seu país, o qual deixou somente uma única vez ao longo de seus 32 anos, a convite, e como guia de um casal suiço, por 15 dias.
Chegou a pedir que nossas perguntas fossem mantidas sempre dentro do veículo, um carro mal conservado, com mais de 11 anos de uso e comprado há pouco tempo no valor de US$27.000,00.

Interessante como queremos sempre entender e encaixar algo novo com o olhar do que já conhecemos, e Myanmar nos ensinou a relaxar e realmente abrir espaço para algo que jamais vimos em nossas vidas, quase indescritível.
Sons constantes de buzinas estridentes, eles não usam o espelhinho retrovisor!
Aromas desconhecidos esparramados no mercado ao ar livre; oraçōes islâmicas expectoradas por alto - falantes; jovens te puxando para comprar algo em suas barraquinhas; a meiguice crescente das mulheres lindas segurando suavemente sua mão e te mostrando algo ou pedindo batons ou perfumes em troca de uma pulseira ou caixinha de laca ( não aceitam esmolas com toda dignidade) numa cena constante por toda Myanmar.
Crianças afetuosas vendendo seus sininhos, leques e colares de jade em 3 ou 4 idiomas que aprenderam com os turistas; estudantes com suas "longys" verdes, camisas impecávelmente brancas e bolsa/sacola de lã vermelha, voltando alegres da escola; mulheres super femininas banhando-se no rio; filas e filas de motoqueiros à espera de comprar gasolina mais barata vendida dentro de garrafas de plástico de água mineral nas barraquinhas ao longo das estradas.
Templos e Pagodas emergindo da terra numa cena de tirar o fôlego; carroças de bois; monges em trajes beterraba caminhando descalços pelas ruas em sinal de desapego; ingleses pilotando balōes; idosos, jovens e criancinhas usando a esbranquiçada pasta "Thanakha" como protetor solar geométricamente aplicada ao rosto ,conferindo um ar divertido!
Moças vendendo pequenos passáros e até corujinhas enfurnadas em minúsculas gaiolas de palha para serem libertadas pelo seu comprador (impossível não fazer a correlação com a vida delas).
Tudo isso misturado às brumas do amanhecer e a constante poeira vermelha que paira sobre as cidades, nos faz esquecer do estado ditatorial que domina esse povo.
Talvez por serem mais pacíficos que os ocidentais, ou mais conformados, ou mais espiritualizados ( isso também é um capítulo à parte, não a espiritualidade em si, mas a passividade sob a espiritualidade da pobreza) ficamos com a impressão de que a miséria por lá não aparece, embora a pobreza seja muito grande.
Obviamente, como todo governo militar,você olha em volta e não vê ( nem poderia ver) saída, em todos os sensos.
Aung nos diz que muitos adolescentes, se conseguem, deixam o país para estudar fora.E isso pode ser um agente transformador em um futuro próximo na política interna; tomara!
À noite, no Strand Hotel ( aquele mesmo do capítulo à parte) onde já hospedou Somerset Maugham e George Orwell, enquanto tentávamos lembrar desse tempo militar no Brasil, e por sermos jovens demais na época e pouca vivência politica, não tinhamos muitas referências , iamos portanto , atraves dessa falta , bebendo nosso vinho da Nova Zelândia, sem o compromisso de quem sentiu na pele a dor da repressão e conversando sobre temas que pareciam tão distantes de nós, mais uma vez...
Ia contando à Silvia, de uma época em minha vida lá pelos meus 19 anos, a mesma em que conjugava minha entrada na PUC, com um livro que " caiu" em minhas mãos, Inventário de Cicatrizes, de Alex Polari.
Esse foi o gatilho para uma sucessão bastante obsessiva de leituras intermináveis que durou uns bons 2 anos, sobre muitos presos políticos na época da ditadura.

E por esses entrelaçamentos da vida, anos mais tarde, conheci um deles pessoalmente,  preservarei seu nome aqui.

Mas lembro com muita nitidez que me causava até um certo constrangimento em vários momentos, em nossas conversas, a fragilidade, medo e a eterna desconfiança que esse homem vivia a todo momento.
Ele nunca mais teria paz na vida, mesmo sendo agora uma pessoa de/no " poder", essas eram suas palavras.
Lembrei-me agora ao escrever tudo isso do livro "Recordaçōes da Casa dos Mortos" de Dostoevsky, que também devorei nessa mesma época, e que fala muito o que meu amigo  ex preso político  me falava.
Fica impresso na pele, na alma , para sempre.
Iamos alinhando todas essas dolorosas histórias ao pouco que conseguimos perceber através da passividade e obediência desse povo maravilhoso.
O desejo humano mais genuíno é a liberdade, é nosso direito e bem maior, e devemos viver e jamais esquecer disso a cada instante de nossas vidas.

Os muros derrubados estão ai como provas, ao menos físicas...
De qualquer forma apesar de não nos agradar nenhum pouco a idéia de passarinhos poderem ser presos para serem libertados, e apesar de sabermos que ao comprar uma gaiolinha incentivamos essa atitude mais e mais, não resistimos à idéia mesmo que simbólicamente, de soltar esses passarinhos para que eles pudessem voar em liberdade!
LK